Nova lei vai causar fechamento de Escola Estadual
Capa - Jornal Folha do Sul - Bagé/RS
14/05/2010 - Evalber Ghisolfi
Foto: Antonio Rocha
A Escola
Arnaldo Faria deve encerrar as atividades em 2011, devido a uma mudança na lei
da filantropia. A decisão gera revolta e protesto por parte da diretoria e da
comunidade. O futuro da Escola Estadual de Ensino Fundamental Dr.
Arnaldo Faria está comprometido. Na segunda-feira, o diretor da instituição foi
avisado que as atividades devem ser interrompidas, de maneira definitiva, no
início do ano que vem. A notícia foi uma triste e desagradável surpresa tanto
para a direção, professores, pais e para os 220 alunos da escola, que está em
atividade há 53 anos.
A mudança na lei é a justificativa para remover a Escola Arnaldo Faria, que funciona no prédio anexo ao Instituto de Crianças e Adolescentes São Francisco de Assis (Instituto de Menores), cuja mantenedora é a Associação Literária São Boaventura, de Caxias do Sul. A lei 12.101, mais conhecida como a Lei da Filantropia, foi aprovada em 27 de novembro do ano passado. Ela visa regulamentar as instituições em relação às três classes filantrópicas, que são assistência social, saúde e educação. Ou seja, cada entidade deveria escolher um ramo de atuação e priorizar o atendimento, esclarece o diretor do Instituto de Menores, Claudelino Brustolin. Como o objetivo da associação, desde sua fundação em 1909, sempre foi dar assistência social, a parceria de educação, firmada com o Estado é colocada em xeque.
- Enquanto a lei permitia, nós continuamos com a parceria, mas agora se a escola continuar funcionando não vamos obter o certificado de instituição filantrópica, que deve ser renovado periodicamente. Como precisamos do prédio para ampliar nossos serviços de assistência social, não há o que fazer, explica.
A decisão adotada foi assinada no dia 30 de abril pelo coordenador da 13ª CRE (Coordenadoria Regional de Educação), José Adilson Santos Antunes. Com isso, a entidade mantenedora pede que o prédio seja entregue e a escola fatalmente vai encerrar as atividades. O prazo para a liberação do espaço físico encerra em 31 de janeiro de 2011. Conforme Brustolin, a atitude tomada não foi exclusivamente para o município. O mesmo acontece em todas as instituições de ensino nas quais a entidade possui alguma relação. Ele ainda informa que é preciso se adaptar à lei em um período máximo de 180 dias.
A novidade não agradou nem um pouco o diretor da escola, Márcio Afonso Adip. Ele não consegue entender os motivos alegados pelos freis capuchinhos e revela que até hoje nenhum documento oficial foi emitido à instituição de ensino.
- Dizem que mudou a lei, mas a lei recém foi aprovada. Além disso, existem ações no Supremo Tribunal Federal que vai decidir a regulamentação. Esta decisão fere qualquer princípio democrático. Estão nos descartando sem ao menos nos avisar, pois ficamos sabendo que a escola iria fechar na segunda-feira, depois da decisão assinada pelo coordenador, expõe.
A instituição atende 220 crianças de 14 bairros, com idades entre seis e 14 anos. Em sua maioria, são famílias que se encontram em vulnerabilidade social. Grande parte das mães são chefes de famílias que trabalham todo o dia e passam por inúmeras dificuldades para conseguir o sustento. Desde 2008, a escola oficialmente trabalha em turno integral. Mas as atividades já aconteciam dessa maneira desde sua fundação há 53 anos.
- Temos um turno de aulas normal. No horário inverso, eles participam de diversas oficinas que ocupam as crianças o dia inteiro. Além disso, as crianças recebem quatro refeições por dia, o que é muito importante para essas famílias. Caso realmente a escola seja fechada, vai ser um baque muito grande tanto para sociedade, mas principalmente para essas famílias, destaca.
Adip aponta que até o momento nenhuma reclamação havia sido feita, inclusive sobre os gastos em relação à educação, uma vez que isso compete ao Estado. Ele lembra que recentemente foi adquirido um laboratório de informática, com 10 computadores, com acesso à internet e ar condicionado. Outros R$ 13 mil oriundos do Plano de Desenvolvimento Econômico (PDE) já estão disponíveis para serem investidos na escola. Além de outros projetos existentes à médio e longo prazo. Por isso, Adip acredita que seja possível seguir fazendo o trabalho de assistência social da entidade, aliado à educação.
- São 53 anos que a entidade é isenta de impostos e de uma série de tributos públicos e previdenciários devido à filantropia e agora, de uma hora para outra, querem fechar uma escola tão importante como esta? Seria um retrocesso, opina.
A questão da segurança e da violência preocupa os pais dos alunos, informa Adip. O receio é que o fechamento da escola leve muitos menores ao vício. Conforme Adip, alguns dos meninos que saíram de lá, em pouco tempo já estavam se drogando.
Voluntária na escola há um ano e três meses, Janaína Rodrigues Silva é mãe de três crianças que estudam no local. Para ela não existe uma escola igual.
- Aqui as crianças se alimentam quatro vezes por dia, tem carinho, educação e atenção o dia inteiro. O que vai ser delas se a escola fechar, questiona.
Para os avós de um dos alunos, Maria Zila Hernandes de Freitas e Acendino Soares Quevedo, a notícia foi recebida com tristeza.
- A escola é muito boa, não gostaríamos que acontecesse isso. É uma tristeza, lamenta.
Brustolin ainda revela que a intenção da associação é ampliar os trabalhos assistenciais em Bagé, já que estavam muito centrados em Caxias.
- Queremos atingir mais pessoas, tanto alunos, com novas oficinas, como também os pais, através de cursos profissionalizantes. Dessa maneira, vamos atender aquilo no que é de natureza, ou seja, a assistência social, salienta.
Com esta nova realidade, a 13ª CRE vai ter de ser obrigada a redistribuir os estudantes em escolas próximas aos bairros onde moram e redirecionar os professores à outras instituições de ensino, conforme explica a chefe administrativa da 13ª Coordenadoria Regional de Ensino, Carolina Cardona Mielke.
- O ano letivo de 2010 vai seguir sem alterações. Entretanto, para o ano que vem, como a escola vai ser fechada, teremos a responsabilidade de abraçar essas crianças e a obrigação de garantir um estudo, distribuindo elas em escolas estaduais e municipais, afirma.
Carolina conta que propuseram alugar o prédio, assim como ainda estão tentando fazer com que a decisão seja desfeita, mas assume que realmente estão desesperançosos. Já a presidente do 17º Núcleo do Centro dos Professores do Estado do Rio Grande do Sul (CPERS), Ana Lúcia Cabral, afirma que vão fazer o possível para manter a escola em funcionamento.
- Com certeza vamos ser parceiros nessa luta e vamos nos mobilizar juntos com a escola. Somos contrários ao fechamento de qualquer escola, ainda mais esta que é histórica, atende a várias comunidades, e que tem uma proposta educacional diferenciada, conclui.
O diretor da escola afirma também que vai lutar pedindo apoio à Organização dos Advogados do Brasil (OAB), ao CPERS, à Câmara de Vereadores e até mesmo ao prefeito, para manter a escola.
- Queremos que os freis voltem à razão e não nos tomem a escola. Não é possível que uma história de 53 anos seja destruída em uma semana, finaliza.